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sexta-feira, 11 de maio de 2012

Vó Sofia

Quando minha avó materna não estava de acordo com alguma coisa, dizia: Eu passo! (como se diz em uma rodada de cartas, no buraco). Também fazia a melhor sopa de feijão e o melhor bolo de aipim que já comi. Ela era cearense, de família numerosa, tendo trabalhado na agricultura e em fábrica de filó ainda adolescente, quando a família se deslocou para Pernambuco por falta de condições locais. Até hoje me lembro de minha avó e minha tia contando sobre a Societé Cottonière du Nordest du Brésil, localizada em Morenos (PE) – possivelmente uma precursora da SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste do Brasil, hoje vendida à holandesa Bunge, um conglomerado multinacional de alimentos e fertilizantes). Pelo visto, o nordeste do Brasil ainda é holandês ...

Voltando ao tema principal, minha avó Sofia era realmente uma pessoa sábia: apesar de só ter a educação básica, era a pessoa mais serena e equilibrada que já conheci. Fazia umas toalhas de crochê maravilhosas, algumas para vender, com o que complementava o minguado orçamento doméstico (minha tia Yvette, com quem vivia, era professora do SESI: dava aulas na comunidade do Turano na Tijuca e trabalhava no Juizado de Menores, mas o salário, ó ...). Vó Sofia gostava de jogar paciência e sueca e, talvez como resquício de alguma ancestralidade indígena desconhecida, também gostava de mascar tabaco - o que fazia escondido, para não ser censurada.

Adorava torrada e era incapaz de jogar pão fora, por motivos meio religiosos. Quando sobrava pão demais em casa, até mesmo para fazer torrada, e não havia ninguém a quem dá-lo, ia jogar os farelos no Rio Maracanã ('para os peixes', segundo ela). Acredito que naquela época já não havia peixes naquele rio, mas vejo hoje que era um ato simbólico: ela, que chegara a passar privações na infância, não admitia jogar pão no lixo, além de ver no pão o corpo de Jesus.

Sinto falta dela, de sua cadeira de balanço, do seu jeito calmo e bem humorado. Era, a meu ver, uma pessoa iluminada, sinônimo de bondade e paz. Abro essa janela de prosa na poesia só para falar dela.

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